Da Comporta para as Avenidas Novas, como o Sublime Lisboa ocupou um palacete do século passado

Ana Cristina Marques, 28 mai 2022, 11:48 

A segunda unidade do grupo Sublime resulta de um palacete transformado em hotel de charme com 15 quartos, no centro de Lisboa. Com novo restaurante e conceito, homenageia a estética dos antigos donos.

A entrada mantém-se a mesma que a da antiga Casa Fortunato — ainda que a decoração seja diferente, a disposição permanece inalterada e, ultrapassada a porta principal e o lobby, a receção fica à esquerda de quem entra. O papel de parede gráfico que um dia cobriu aquela divisão em toda a sua extensão já não está lá, mesmo que as obras finais impeçam-nos, por enquanto, de visualizar o resultado final. E a antiga sala de estar e de refeições, onde antes se serviam pratos macrobióticos a mando e gosto dos proprietários, é agora um restaurante que, já de cara lavada, aposta na gastronomia italiana e mediterrânea. Também o número de quartos cresceu, de nove para 15, mas muitas são as coisas que ficaram e a identidade estética daquele que chegou a ser considerado “o melhor hotel de 2019”, onde até os donos queriam viver e viviam, continua presente. O edifício do início do século XX, que já tantas funções acumulou com a passagem do tempo, tem agora uma nova vida e até ao final de maio abre enquanto Sublime Lisboa.

Se o original Sublime Comporta pretende reter, no seu interior, o espírito daquela freguesia do município de Alcácer do Sal, o Sublime Lisboa quer refletir a capital através de uma dualidade: do que é tradicional e, ao mesmo tempo, contemporâneo. O edifício imponente foi adquirido aos antigos proprietários em 2021 e as obras ao cuidado do atelier português Andringa Studio demoraram um ano. As grandes diferenças entre o anterior projeto e o novo hotel localizam-se essencialmente no primeiro e no último andar. O sótão onde os anteriores donos viviam foi intervencionado para acomodar quatro suites bastante luminosas — a configuração de duas delas desemboca em amplas janelas cujo terraço adjacente parece mergulhar nas silhuetas dos edifícios lisboetas. As vigas que nelas existem servem, além da função óbvia, como peças decorativas.

Os quartos que já antes existiam continuam a exibir os papéis de parede gráficos que ditam a tonalidade temática dos mesmos: padrões geométricos em tons de azul, verde, laranja e até rosa. Dotados de zonas de estar, combinam detalhes mais modernos — como as paredes envidraçadas e de ferro ora preto ora branco que servem de divisória entre o quarto em si e as casas de banho, que dado o tamanho podem continuar a ser chamadas salas de banho — e outros que inspiram uma estética vintage, como os azulejos esbranquiçados e floridos junto aos lavatórios. Em todas as divisões onde é possível a pernoita avista-se um roupeiro de madeira com uma das portas forrada a verga, desenhado pelo atelier já mencionado. Há ligeiras alterações nos quartos, mas muito do seu ADN permanece idêntico.

Uma estátua XXL do artista Rui Chaves, ainda por chegar no dia em que visitámos o hotel, e muitos quadros da Yellow Korner, uma galeria online de fotografia que vende peças limitadas a poucos milhares, ajudam a contar o conceito Sublime e o faceliftdeste palacete.

De fato, o que se quer efetivamente diferente dá nas vistas, seja o sótão reaproveitado ou o restaurante Davvero: a única coisa que ficou foi o mosaico vermelho e branco que cobre o chão. Agora, o espaço está dividido em duas zonas, uma colada à cozinha aberta onde quem chefia é Isaac Kumi (fez a ementa em conjunto com Hélio Gonçalves, chef executivo do grupo Sublime), e outra mais reservada. Na ementa há sugestões de inspiração italiana — como o tagliolini gratinado com cogumelos, o spaghetti de gragnano com amêijoas ou o gnocchi caseiro de beterraba com molho gorgonzola, mas também robalo do mar grelhado e escalopes de vitela ao molho de limão e com puré de trufas. “Tentamos trazer comida italiana autêntica ao usar produtos locais”, comenta Isaac, que dá como exemplo a burrata que vai buscar ao Porto, sendo que os seus produtores são originários de Puglia.

Na carta de vinhos , feita pelo especialista Raul Riba d’Ave, encontram-se as propostas da casa (tinto, branco, rosé, espumante bruto e moscatel roxo da marca Sublime, à semelhança do gin e da ginginha que está em desenvolvimento), mas também referências nacionais e internacionais, às quais se somam, já na carta de bar, os cocktails clássicos e de autor, o rum e o negroni. No Davvero, é possível comer desde 07h às 00h. A carta varia consoante a hora do dia — é possível tomar o pequeno-almoço juntamente com os hóspedes, optar por um snack fora das refeições ou até rumar ao brunch ao domingo, entre as 12h30 e as 16h (são 65 euros por pessoa). No restaurante que está em modo soft opening desde o passado dia 26 de abril, onde uma refeição média pode custar 50 euros por pessoa sem bebidas, são aconselhadas reservas — o espaço conta também com uma esplanada com 24 lugares.

Garantido é que o palacete do século XX continua a acumular histórias: chegou a ser a residência de um médico e sua família, que à época fez do primeiro andar poiso onde viver e deixou o rés-do-chão para negócios locais. Foi também onde funcionou o Clube Japonês, até ao início dos anos 40, e acolheu ainda o restaurante “O Candelabro”, pertença de Simone de Oliveira, segundo a informação disponibilizada pelo grupo Sublime. Mais recentemente foi um atelier de arquitetura. Agora abre, no final de maio, já transformado num hotel de charme com 15 quartos virados para a cosmopolita Lisboa.

Link: https://observador.pt/2022/05/28/da-comporta-para-as-avenidas-novas-como-o-sublime-lisboa-ocupou-um-palacete-do-seculo-passado/